sábado, 10 de outubro de 2009

Em busca das pessoas que já estão aqui.

Dou um tempo para o chá verde que os camelôs ostentam. Alguns preveem a chuva e já oferecem capas plásticas acopladas com capuz. Um antigo colega de Academia me reconhece enquanto procura por chá e capa. Pergunta rapidamente porque não faço mais ginástica. Lembro-me que o chamava de Junior e da confissão feita por ele sobre um dia difícil com a família numerosa com quem tinha ainda de viver. Pois emprego acabou. Era o que dizia, entre a concentração nos aparelhos destinados à beleza física e um gole d'água simultâneo à respiração. Uma família invasiva. Sua palavra ecoa agora só em breve cumprimento justo no instante em que tomo um copo de chá verde e me desligo do meu utensílio sonoro de ouvido, limitando-me a observar o sentido do Evento como um dado contíguo, intimamente relacionado com as faixas que selecionei para a caminhada de tarde-noite. "Só estou andando", digo para Júnior. Urbanismo e Arte. Somos convocados a sair de casa. Manifestações diversas, diminutas. Os habitantes da cidade querem apenas levar à via pública seus modos secretos de ser, dessa vez, no exato dia de hoje, como um programa às avessas da produção diária: um outro tipo de função e meta. Uma causa a ser buscada ao ar livre no compasso das diferentes vontades. Todos devem portar uma legenda, a menor que seja. Os camelôs tinham metade da razão - a conjunção cinza no céu se resolve como um chuvisco. O número de passantes aumenta.
Estou ligado a uma faixa de música cujo nome desconheço. Atravesso duas estações de metrô (pelo lado de fora, calçada a calçada), sem interromper a escuta do primeiro disco do Animal Collective. Meu coração precisa de bombeamento, alta pressão ambiente sobre ele. Por isso mesmo, é mais do que rugente (mais que urgene) ver de novo o ambiente, agora de fora, nas ruas abertas em comemoração ao Semestre, ao Evento imperceptível que passa.
As pessoas se soltam. A primeira provocação é um beijo, mão na mão, entre os do mesmo sexo. Anos à luz da música. Repaginação da história sem pátina. Atravesso a já formada multidão no corpo musical de um disco inteiro, que vem a ser meu ouvido em fiações desencontradas. O nome Celita volta. Desejei aquela (mulher em roupa cintilante para a madrugada) em uma festa apertada. Festa de apartamento. Não havia walksound naquela época. Assistia-se à lenta mutação dos vinis para discos em laser. A festa em que Celita queria viver algo imediatamente com alguém - eu, entre todos os presentes - significava a contemplação dessa passagem: os vinis finais raspados na órbita acelerada dos sulcos (tal qual um turbilhão em mandala, um mandamento guiado só por música feito para ser gasto ao infinito).

sábado, 2 de maio de 2009

Temi não encontrar mais meus escritos na lousa veloz onde me reúno com os invisíveis vivos.
Tentei voltar mais cedo do metrô no dia do Evento Semestral de Cultura nas ruas, pois encontrei com uma pessoa que me conhecia há anos e eu não conseguia lembrar-me de onde, dando espaço e tempo para a recordação. Passei a ouvi-la no coração do tumulto urbano.
Não conseguia dizer eu. A pessoa resolveu se desgrudar do fone, logo me contando o que estava ouvindo e perguntou sobre minha curiosidade incessada por música. Deu provas de que danço e não deixo em paz Animal Collective por onde passo e páro. A pessoa se apresentou no dia do Evento Semestral. Falou-me da festa há muito meses.
Tentei não encontrar mais meus escritos. A pessoa diz que me espera com um texto logo mais à noite depois de retornar do Evento Cultura nas ruas, enquanto em casa tento recuperar onde antes eu estava quando ouvíamos Animal. Celita esse é o nome. Agora tento inventar um rosto para ela, que demora há dias do encontro nas ruas. Para não mais.